A inteligência artificial e o advogado

Inteligência Artificial. Aqueles que a observam estão pasmos. Aqueles que a criticam estão desconcertados. E aqueles que a formulam e a desenvolvem pedem parcimônia e regramento para a contínua revolução digital que está se operando por força da inteligência artificial. A realidade é que existe um uníssono por conta de ser uma mudança de paradigma em tudo que o ser humano já produziu, realizou e inventou. Em outras palavras, 2 + 2 = terça-feira, e não resulta 4 ou qualquer lógica anteriormente conhecida. Sim, algo totalmente diferente de qualquer raciocínio humano e resultado esperado. Não por outro motivo, Yuval Harari, o mais festejado escritor e historiador da atualidade, disse com todas as letras ser o fim da história. Não que a história acabará, mas que será forjada de agora em diante por homens e máquinas, e não mais só por homens – algo que até então na vida dos sapiens jamais havia ocorrido, tudo era “antropocentrismo”, toda criação dependia da intelectualidade humana, isso mudou.

Como serão as inovações com IA na saúde, na amizade, na biologia, nas guerras, no espaço, no quântico? No livro “A era da inteligência artificial e o nosso futuro humano” – obra que recomendo e necessária para melhor compreensão desse universo de possibilidades –, seus escritores, experimentados homens, como o mais consagrado veterano da diplomacia, H.Kissinger, e seus renomados pares contam que o programa de computador AlphaZero, municiado pela IA para o jogo de xadrez, foi implacável nos resultados formulados: ganhou 28, empatou nos demais 72 e não perdeu nenhum. Incluindo o mais potente programa até então existente. Ocorre que o AlphaZero não adotou posturas do jogo anterior em tácticas consagradas, concebidas ou conhecidas, não usou nenhum raciocínio anterior, e as pessoas e máquinas que assistiram aos jogos não entenderam mesmo o porquê das jogadas – salvo nos momentos finais quando se viu a vitória, mas não a compreensão do que foi feito para atingir o resultado surpreendentemente melhor que qualquer outro anterior. Foi mesmo uma incógnita até para os formuladores do programa ou enxadristas consagrados, como Garry Gasparov, que disse “o xadrez foi abalado nos seus fundamentos pelo AlphaZero”.

Em 2020, a IA fez algo muito mais sofisticado que o jogo de xadrez e desenvolveu através do MIT um potente antibiótico chamado Halicina, capaz de eliminar organismos multirresistentes. Os próprios pesquisadores do medicamente disseram que sem a IA o preço da pesquisa não seria possível ou mesmo viável. O preço se tornaria astronômico e num prazo questionável. Em outras palavras, não existiria. O que se depreende daí é que os homens, nisso incluso os advogados, deverão repensar o exercício da profissão e que o façam com brevidade e análise crítica. O papel fundamental do advogado é fazer justiça. Aliás, conceito esse amplo, difícil e matéria árdua na Filosofia do Direito. Não por outro motivo a sofismada pergunta de Platão:

– O que é justiça?

– Dar a cada um o que lhe é devido, responde o aluno.

– Então, dê-se aos fortes sua fortaleza, aos pobres sua pobreza, aos miseráveis, sua miséria.

Óbvio, o vetusto platônico silogismo mostra a dificuldade do conceito e a sua distância do ideal do justo que o advogado jura que irá perseguir. Mas o que é a essência da atividade do advogado? Colocar em relevo os interesses do seu cliente e depreciar o direito alheio, os direitos do adverso, e um terceiro arbitra, que pode ser um arbitro, juiz, comprador, etc. Toda a argumentação do advogado se sustenta na norma cogente, jurisprudência, doutrina, prática forense e eventualmente das fontes do direito, isso seja para requerer ou contraditar interesses.

Ocorre que essa argumentação será muito mais precisa, robusta, completa, inclusive com jurisprudência (indo da local e especializada até a geral e internacional) para casos análogos desenvolvidos pela IA. Pois irá tornar as táticas forenses mais eficazes e efetivas, na medida em que ela poderá saber as inclinações jurídicas e políticas dos árbitros, seus gostos e preferências, até as verdades, formas e estética de que esses tais árbitros gostam e ficam mais sensíveis para a argumentação. E saber quais argumentos melhor os convencem e como gostam de ser instados e requeridos, tudo em fração de segundos, coisa que ser humano não pode fazê-lo. Assim, como as máquinas conseguem ter táticas mais avançadas que os homens no xadrez, o mesmo se dará no Direito, com as táticas para consecução dos negócios jurídicos, das lides, negociações muito melhores do que entre os advogados humanos.

Resumindo, nós humanos seremos menos capazes de argumentar do que as máquinas. Ou seja, seremos piores advogados do que elas. E o que podemos fazer? A realidade é que tudo deverá mudar na profissão. Na medida em que os cursos jurídicos devem ser repensados, a estrutura do judiciário também deverá ser repensada. A própria magistratura deverá ser revista e ainda poderá ser mais justa, previsível e praticamente acabar com o erro judiciário. Nós já estamos presenciando na advocacia os primórdios disso tudo, mas engatinhando. Não há uma receita de bolo sobre o que fazer. Uma vez que tudo ainda está se desenvolvendo, estamos no começo. Mas as associações de classe como AASP, que cuidam da militância da advocacia, e mesmo a Ordem, deveriam se envolver nesse debate, sob pena de vermos hordas de colegas desocupados, sem trabalho ou ainda com o trabalho bem feito só por uma elite de grandes bancas que terão recursos para comprar os aparatos tecnológicos e computadores necessários para rodar em tecnologia de ponta. E os menos favorecidos, que são a maioria dos colegas, correndo o risco de desaparecerem ou ficarem completamente desimportantes. Precisamos desse debate, urgente.

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