Nos últimos anos, a sociedade brasileira tem assistido a avanços significativos em termos de direitos para casais homoafetivos, especialmente no que diz respeito à formação de famílias. Um dos temas mais debatidos nesse cenário é a barriga solidária, também conhecida como gestação por substituição, uma alternativa cada vez mais procurada por casais homoafetivos que desejam ter filhos. Contudo, apesar dos progressos, há uma série de desafios e questões legais que envolvem esse processo, exigindo um acompanhamento especializado.
A barriga solidária no Brasil está regulada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que permite a prática apenas em casos onde a gestante substituta seja uma parente de até quarto grau de um dos membros do casal, como mãe, irmã ou prima. Além disso, a prática deve ser realizada sem fins lucrativos, ou seja, sem qualquer tipo de compensação financeira para a gestante. Em meio a esse cenário, muitas questões legais ainda precisam ser melhor compreendidas, especialmente para casais homoafetivos, que frequentemente enfrentam desafios adicionais para garantir seus direitos.
Segundo o advogado e ativista Nilton Serson, especialista em direito de família e defensor das causas LGBTQIA+, a legislação brasileira, apesar de avanços no reconhecimento dos direitos de casais homoafetivos, ainda apresenta lacunas significativas no que diz respeito à barriga solidária. “A barriga solidária, especialmente para casais homoafetivos, acaba enfrentando dificuldades que não estão tão presentes para casais heterossexuais. A exigência de laços familiares pode restringir o acesso ao procedimento, e isso, muitas vezes, não condiz com a realidade dessas famílias”, afirma Serson.
Para muitos casais homoafetivos, o maior desafio é encontrar uma parente disposta e apta a ser a gestante substituta, considerando as limitações impostas pelo CFM. Serson destaca que essa exigência, embora tenha sido pensada para evitar a comercialização de barrigas de aluguel, não leva em consideração as dinâmicas familiares das novas configurações familiares. “Casais homoafetivos podem não ter essa estrutura familiar tradicional. Essa restrição, embora bem-intencionada, acaba marginalizando essas famílias e criando barreiras para a formação delas”, explica o especialista.
Outro ponto importante que merece destaque é a necessidade de autorização prévia do CFM para o procedimento de barriga solidária. Esse trâmite, que envolve uma avaliação minuciosa de todas as partes envolvidas, pode ser um processo demorado e burocrático. No entanto, Nilton Serson reforça a importância do cumprimento rigoroso dessa regulamentação: “A burocracia é necessária para garantir que o processo seja seguro e ético, tanto para os pais quanto para a gestante. Entretanto, é preciso que o sistema se torne mais acessível e menos restritivo, especialmente no que diz respeito aos casais homoafetivos.”
Além disso, Serson chama a atenção para os desafios após o nascimento da criança, quando os pais enfrentam a burocracia do registro civil. “Casais homoafetivos que recorrem à barriga solidária precisam de uma atenção especial no registro da criança. É necessário garantir que ambos os pais constem no registro de nascimento sem entraves, o que nem sempre é automático”, diz. Ele reforça a importância de buscar orientação jurídica desde o início do processo, a fim de evitar complicações futuras.
Apesar dos desafios, Nilton Serson vê com otimismo o futuro para casais homoafetivos que desejam recorrer à barriga solidária. “O cenário está mudando, e isso é positivo. Já tivemos decisões judiciais que ampliaram o acesso à barriga solidária para casais homoafetivos, sem a necessidade de laços familiares tão restritivos. Esses avanços são fruto de muita luta e articulação da comunidade LGBTQIA+, e acredito que estamos caminhando para um futuro mais inclusivo.”
Serson conclui ressaltando a importância de uma discussão mais ampla sobre a regulamentação da barriga solidária no Brasil: “Precisamos de uma legislação específica que contemple as diferentes configurações familiares. O direito à família é universal, e todos devem ter as mesmas oportunidades de construir a sua.”
A questão da barriga solidária para casais homoafetivos, portanto, vai além de uma simples questão técnica de reprodução assistida. Trata-se de um reflexo da evolução dos direitos LGBTQIA+ no Brasil e da necessidade de garantir que todos possam ter as mesmas oportunidades de formar uma família, independentemente de sua orientação sexual. Para Serson e outros defensores da causa, o debate está longe de acabar, mas os avanços que já foram conquistados mostram que a luta por igualdade segue firme e forte.